(Marcial Salaverry)
A vida toda é feita de momentos,
de alegria, ou de
lamentos...
Para estes, fechamos a janela do pensamento...
Para aqueles,
que lembram felicidade,
e que sempre deixam saudade
quando se
vão,
abrimos a janela de nossa emoção...
Há que viver com
intensidade,
os que alegram o coração...
Os tristes momentos,
que
causaram padecimentos,
esquecidos devem ser...
Saibamos usar a janela de
nossas lembranças...
Para que lembrá-los...
Para que
vivenciá-los?
Janela fechada sobre eles.
Os momentos de alegria,
que
nos deixaram felizes um dia,
devem ocupar nossa memória...
Janela aberta
para estes...
O resto é só história... Ou estória...
Momentos... Doces
momentos...
Momentos... Tristes momentos...
Quais a serem
lembrados?
Quais a serem olvidados?
A janela de nossas
lembranças...
Quando fecha-la?
Quando
abri-la?
Vinícius de Moraes
Biografia
Poeta, compositor, intérprete e diplomata brasileiro, nasceu no Rio em 19/10/13 e faleceu na mesma cidade em 09/07/80. Escreveu seu primeiro poema aos sete anos. Fez curso de Direito no Rio e de Literatura Inglesa em Oxford. Ingressou na carreira diplomática, por concurso, em 1943, tendo servido como vice-cônsul em Los Angeles (1947-50), o que abriu sua temática, posteriormente enriquecida pelo seu interesse em teatro e cinema. Serviu também em Paris (duas vezes) e Montevidéu.
Interessado em cinema desde estudante, foi crítico e censor cinematográfico. Como delegado brasileiro, participou de vários festivais internacionais de cinema (Cannes, Berlim, Locarno, Veneza e Punta del Leste) e, em 1966, foi membro do Júri Internacional de Cannes).
Aos 19 anos publica seu primeiro livro de versos, Caminho para a Distância, e aos 22, Forma e Exegese (ganhador do Prêmio Felipe d'Oliveira de 1935). Em 1936 sai Ariana, a Mulher, que é o apogeu de sua primeira fase, impregnada de sentido místico. Começou então a usar uma sintaxe mais popular, e sua lírica se carrega de sensualismo a partir de Cinco Elegias (1938) e Poemas, Sonetos e Baladas (1948), enriquecendo-se depois com temas de sentido social. Publica também Livro de Sonetos, Procura-se uma Rosa e Para Viver um Grande Amor. O lirismo (muitas vezes sensual) é a sua marca registrada.
Seu drama Orfeu da Conceição (1953), montado para o teatro em 1956 e transposto para o cinema por Macel Camus em 1959 (como Orfeu Negro), ganhou neste ano a Palma de Ouro do Festival de Cannes e o Oscar de Hollywood como o melhor filme estrangeiro.
Na década de 60 junta-se a jovens músicos no movimento conhecido como Bossa Nova, mesclando elementos de samba e jazz. Comporia, junto com Tom Jobim, a música Garota de Ipanema, símbolo de uma época. Uma grande quantidade de poemas seus foi posteriormente musicada.
Escreveu também poesias infantis.
A rosa de Hiroxima
(Vinícius de
Moraes)
Pensem nas crianças
Mudas
telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas
mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas
oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroxima
A rosa
hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com
cirrose
A anti-rosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada.
Procura-se um amigo
Não
precisa ser homem, basta ser humano, basta ter sentimentos, basta ter coração.
Precisa saber falar e calar, sobretudo saber ouvir. Tem que gostar de poesia, de
madrugada, de pássaro, de sol, da lua, do canto, dos ventos e das canções da
brisa. Deve ter amor, um grande amor por alguém, ou então sentir falta de não
ter esse amor.. Deve amar o próximo e respeitar a dor que os passantes levam
consigo. Deve guardar segredo sem se sacrificar.
Não é preciso
que seja de primeira mão, nem é imprescindível que seja de segunda mão. Pode já
ter sido enganado, pois todos os amigos são enganados. Não é preciso que seja
puro, nem que seja todo impuro, mas não deve ser vulgar. Deve ter um ideal e
medo de perdê-lo e, no caso de assim não ser, deve sentir o grande vácuo que
isso deixa. Tem que ter ressonâncias humanas, seu principal objetivo deve ser o
de amigo. Deve sentir pena das pessoa tristes e compreender o imenso vazio dos
solitários. Deve gostar de crianças e lastimar as que não puderam
nascer.
Procura-se um amigo para gostar dos mesmos gostos,
que se comova, quando chamado de amigo. Que saiba conversar de coisas simples,
de orvalhos, de grandes chuvas e das recordações de infância. Precisa-se de um
amigo para não se enlouquecer, para contar o que se viu de belo e triste durante
o dia, dos anseios e das realizações, dos sonhos e da realidade. Deve gostar de
ruas desertas, de poças de água e de caminhos molhados, de beira de estrada, de
mato depois da chuva, de se deitar no capim.
Precisa-se de um
amigo que diga que vale a pena viver, não porque a vida é bela, mas porque já se
tem um amigo. Precisa-se de um amigo para se parar de chorar. Para não se viver
debruçado no passado em busca de memórias perdidas. Que nos bata nos ombros
sorrindo ou chorando, mas que nos chame de amigo, para ter-se a consciência de
que ainda se vive.
A arca
de Noé
(Vinicius de Moraes)
Sete em cores, de repente
O
arco-íris se desata
Na água límpida e contente
Do ribeirinho da
mata.
O sol, ao véu transparente
Da chuva de ouro e de
prata
Resplandece resplendente
No céu, no chão, na cascata.
E
abre-se a porta da Arca
De par em par: surgem francas
A alegria e as
barbas brancas
Do prudente patriarca
Noé, o inventor da uva
E
que, por justo e temente
Jeová, clementemente
Salvou da praga da
chuva.
Tão verde se alteia a serra
Pelas planuras vizinhas
Que
diz Noé: "Boa terra
Para plantar minhas vinhas!"
E sai levando a
família
A ver; enquanto, em bonança
Colorida maravilha
Brilha o arco da
aliança.
Ora vai, na porta aberta
De repente, vacilante
Surge
lenta, longa e incerta
Uma tromba de elefante.
E logo após, no
buraco
De uma janela, aparece
Uma cara de macaco
Que espia e
desaparece.
Enquanto, entre as altas vigas
Das janelinhas do
sótão
Duas girafas amigas
De fora a cabeça botam.
Grita uma
arara, e se escuta
De dentro um miado e um zurro
Late um cachorro em
disputa
Com um gato, escouceia um burro.
A Arca
desconjuntada
Parece que vai ruir
Aos pulos da bicharada
Toda querendo
sair.
Vai! Não vai! Quem vai primeiro?
As aves, por mais
espertas
Saem voando ligeiro
Pelas janelas abertas.
Enquanto,
em grande atropelo
Junto à porta de saída
Lutam os bichos de pelo
Pela
terra prometida.
"Os bosques são todos meus!"
Ruge soberbo o
leão
"Também sou filho de Deus!"
Um protesta; e o tigre —
"Não!"
Afinal, e não sem custo
Em longa fila, aos casais
Uns
com raiva, outros com susto
Vão saindo os animais.
Os maiores vêm
à frente
Trazendo a cabeça erguida
E os fracos, humildemente
Vêm atrás,
como na vida.
Conduzidos por Noé
Ei-los em terra benquista
Que
passam, passam até
Onde a vista não avista
Na serra o arco-íris se
esvai . . .
E . . . desde que houve essa história
Quando o véu da noite
cai
Na terra, e os astros em glória
Enchem o céu de seus
caprichos
É doce ouvir na calada
A fala mansa dos bichos
Na terra
repovoada.